“Fizeste-nos para ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em ti” - Santo Agostinho de Hipona
A todos os membros da Família Vicentina
Queridos Irmãos e Irmãs,
Que a graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo preencha vossos corações agora e sempre!
Vivemos num mundo cheio de turbulências. Nos deparamos com as exigências da vida num ritmo frenético e trepidante. Devido as realidades de guerra, pobreza, terrorismo, instabilidades políticas, catástrofes econômicas e ecológicas, somos um povo exausto para a vida. Nossos sentimentos assemelham-se aos do salmista: “Até quando, Senhor, por quanto tempo ainda desviareis de mim a vossa face?” (Sl 13,1).
Que a graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo preencha vossos corações agora e sempre!
Vivemos num mundo cheio de turbulências. Nos deparamos com as exigências da vida num ritmo frenético e trepidante. Devido as realidades de guerra, pobreza, terrorismo, instabilidades políticas, catástrofes econômicas e ecológicas, somos um povo exausto para a vida. Nossos sentimentos assemelham-se aos do salmista: “Até quando, Senhor, por quanto tempo ainda desviareis de mim a vossa face?” (Sl 13,1).
Em meio a estes desafios, a Igreja nos oferece um precioso presente: o tempo da Quaresma. É um espaço sagrado, um tempo que nos convida a parar, a nos afastar da rotina quotidiana para buscar em profundidade, na história de nossa salvação em Jesus: sua vida, sua paixão e ressurreição. Em outras palavras, a Quaresma é um período sabático para a alma.
Como pessoas cativadas por Cristo e engajadas no carisma de São Vicente de Paulo, a Quaresma pode nos ajudar a viver melhor nossa fé católica à maneira vicentina. Como Vicente, nossa identidade enraíza-se no Cristo. Uma das leituras do primeiro domingo da Quaresma nos diz que Jesus “morreu, uma vez por todas, pelos nossos pecados, o Justo, pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3, 18). Estes quarenta dias de Quaresma não são apenas um tempo de oração, de penitência e de esmola, mas também, um tempo para a reflexão, a relação e a ação.
Um tempo para a reflexão
Os Evangelhos dos domingos da Quaresma dão-nos uma ampla matéria para reflexão, porque nos revelam a pessoa e a autoridade de Jesus. Jesus é visto como um místico voltando do deserto, o Messias transfigurado diante dos apóstolos, um profeta impulsionado a denunciar a injustiça no interior do templo, um mestre cheio de sabedoria disposto a dialogar com um Fariseu, e um servo sofredor pronto a glorificar a Deus, abraçando sua Paixão. Nestes Evangelhos, e nas leituras para a Eucaristia de cada dia, durante esta Quaresma, encontram-se os relatos do amor e da misericórdia de Deus por Israel, as palavras e os atos de Jesus que proclamam o Reino de Deus.
Rezando com as leituras da Quaresma e participando da Eucaristia, abrimo-nos à grande misericórdia de Deus, manifestada na vida, morte e ressurreição de Jesus. Isto foi a razão do zelo de Vicente de Paulo em meditar a vida e os ensinamentos de Jesus e seu entusiasmo para integrá-los em sua própria vida, fazendo dele um “místico da Caridade”. Vicente estava impregnado do desejo de servir os pobres, impulsionando e responsabilizando outras pessoas para fazerem o mesmo. Mas, o que alimentava sua alma inquieta, não eram as ideias nem os sucessos, mas um espírito e um coração que se entregavam à reflexão e a contemplação: “Não podemos melhor assegurar nossa felicidade eterna, do que vivendo e morrendo no serviço dos pobres, entre os braços da Providência e numa renúncia total de nós mesmos, para seguir Jesus Cristo” (São Vicente, Coste III, pág. 392, Carta 1078 à Jean Barreau, em 4 de dezembro de 1648).
A conversão pessoal de Vicente adaptando-se aos ensinamentos de Jesus e fundar comunidades e organizações para servir os pobres foi o fruto de uma vida consagrada à oração e à reflexão. Dedicando tempo à reflexão, somos como os anciãos gregos que perguntaram ao apóstolo Filipe: “Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12,21); e a vida de Vicente nos ensina que Deus jamais recusa um convite para se comunicar conosco. A Quaresma é o tempo que nos é dado para agir assim.
Um tempo para a relação
O fruto do tempo dedicado a refletir e a rezar é uma relação mais profunda com Deus, consigo, com o próximo e com os pobres. Num mundo agitado, marcado pela discórdia e a desunião, a Quaresma nos ajuda a aprofundar nosso ser de discípulos com o Cristo e a melhor viver o nosso carisma vicentino. Podemos aprender muito com Vicente, cuja genialidade para colocar as pessoas em relação, em vista do bem comum, perdura até hoje. Os Evangelhos da Quaresma apresentam Jesus como Aquele que realiza sempre com fervor, a vontade do Pai. Através de sua oração e sua paixão, Jesus estava sempre unido à Deus.
Há alguns anos, uma publicidade popular dos Estados Unidos utilizou como slogan “Estamos todos conectados”. Para a atual era digital, este refrão é ainda mais relevante. Nossa fé e nosso carisma nos impelem a nos dedicarmos à prática dos mandamentos de Jesus: amar a Deus e a servir nosso próximo com maior profundidade. A Quaresma nos chama a discernir mais claramente a presença do Cristo sofredor em nosso mundo para que possamos compreender a miséria dos pobres e ser para eles o Cristo.
Como Superior Geral, tenho o privilégio de visitar a Família Vicentina no mundo inteiro e de testemunhar a maneira como nosso carisma une os pobres ao Cristo. Permitam-me partilhar dois destes encontros. Ambos são serviços coordenados pelas Filhas da Caridade servindo à crianças vulneráveis e em situação de risco que vivem na pobreza.
Por ocasião de uma visita ao Haiti para ver o progresso do nosso Projeto Zafen, visitei uma escola que as Filhas da Caridade abriram para responder à miséria das crianças Restavek. É verdadeiramente uma situação trágica: entre 175.000 a 300.000 dessas crianças vêm de famílias que não podem sustentá-las, e as enviam para trabalhar como domésticas para membros de sua família, de conhecidos ou outras famílias haitianas. Apelidadas de "Restaveks" (do Crioulo -“ficar com”), sua vida não é nada fácil, elas não são consideradas como “parte da família” que servem. Frequentemente maltratadas e vítimas de abusos, as Restaveks não podem ser escolarizadas e falta-lhes alimentação, roupas e assistência. Na escola das Restaveks mantida pelas Filhas da Caridade, elas aprendem a ler e a escrever, são alimentadas e tratadas com uma atenção, um respeito e uma dignidade que jamais conheceram. Para obter mais informações sobre as crianças Restaveks, acesse o site: http://www.restavekfreedom.org
Em Gana, como em muitos países em desenvolvimento, a exploração de crianças está sempre presente. Em Kumasi, a segunda maior cidade do país, numerosas crianças sem abrigo vivem na rua e sobrevivem da mendicância e do trabalho durante o dia. Muitas vezes espancadas e maltratadas, tornam-se com frequência vítimas do tráfico humano. As Filhas da Caridade, com o Arcebispo de Kumasi, fundaram o “Projeto crianças de rua”, um centro de acolhimento que proporciona durante o dia, uma trégua diante dos perigos da rua. Oferece-lhes um lugar para repousar (embora seja apenas um espaço no chão), com a possibilidade de tomar banho, lavar a roupa, seguir um curso de alfabetização, beneficiar-se dos serviços de acompanhamento e oferecer outras possibilidades a estas crianças. É um lugar tranquilo na rudeza de uma vida de exploração. Para maiores informações sobre esta obra, acesse ao site: http://www.streetchildrenprojectksi.org
Acredito que concordam que estas duas obras vicentinas seriam queridas ao coração de São Vicente e de Santa Luísa e lhes estariam bem próxima. Representam um exemplo maravilhoso dos esforços empreendidos nestes locais para responder pela Boa Nova de Jesus, ao clamor dos pobres e dos esquecidos. A Quaresma é um tempo não somente para meditar sobre a vida de Jesus, mas para estar em relação com os pobres de Deus e de agir em seu nome.
Um tempo para a ação
“O que devemos fazer?” Essa foi a questão que Madame de Gondi fez a Vicente em 1617 quando ambos foram testemunhas da miséria espiritual dos camponeses de sua vasta propriedade familiar. A resposta de Vicente à esta questão continua ainda hoje no mundo, através dos padres, Irmãos, Irmãs e leigos que são o coração vivo e constitutivo da Família Vicentina. A nossa realidade mundial tem um impacto muito maior que aquele que Vicente e Luísa jamais puderam imaginar.
Mas, o tempo da Quaresma nos lembra que o Cristo sofredor em sua paixão está presente em nosso mundo de inúmeras maneiras. Como discípulos de Jesus, nossa tarefa consiste em agir em seu nome: “Toda as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40). Como portadores do carisma vicentino é nossa tarefa responder com amor e com o serviço, tanto pessoal como coletivamente. Mesmo que estejamos sempre ocupados com muito trabalho, permitam-me sugerir um outro gênero de ação.
Em nossa última Assembleia geral, a Congregação da Missão adotou um plano estratégico quinquenal com objetivos anuais para melhor viver nossa vocação vicentina e o carisma da Família Vicentina. O objetivo sobre o qual centramos nossa atenção este ano é “a mudança sistêmica”, que definimos pelo fato de trabalhar não somente para melhorar as condições de vida dos pobres, mas a mudar as estruturas da sociedade que geram a pobreza. Para encorajar nossos coirmãos a se integrarem na mudança sistêmica em suas províncias e serviços, estratégias são sugeridas. Se algumas são especificamente da Comunidade dos Lazaristas, partilharei várias estratégias que podem ser utilizadas, assim acredito, por outros ramos da Família Vicentina:
•Favorecer atividades que promovem mudanças sistêmicas na sociedade: desenvolver o autogoverno local, formação de grupos de entreajuda, programas de microcréditos locais.
•Proporcionar assistência jurídica para a defesa dos Pobres e a promoção da justiça.
•Criar programas que impeçam o tráfico de pessoas e que assegurem a promoção da vida, o acesso universal à ajuda social, a proteção do meio ambiente, a dignidade das mulheres e das crianças, os direitos do migrantes e a participação na sociedade.
Estas estratégias de “mudança sistêmica” extraídas do plano da Congregação oferecem-lhes uma grande diversidade de ideias para agir. A mudança sistêmica é um objetivo importante para a Família Vicentina. Acredito que todos nós podemos encontrar meios para adaptá-la às nossas obras e formar a outros sobre sua importância.
Durante a Quaresma e ao longo de todo este ano, temos a oportunidade de crescer na fé meditando a Palavra de Deus e participando da Eucaristia que aprofunda os laços que nos unem ao serviço dos pobres. É uma tarefa que pode nos intimidar, mas como membros da Família Vicentina, nossa “mística da caridade” inspira-nos para lembrar a quem servimos e porquê: "Peço a Nosso Senhor, que possamos morrer para nós mesmos para ressuscitar com Ele, que Ele seja a alegria do vosso coração, o fim e alma de vossas ações e vossa glória no céu. Assim o será, se de agora em diante, nos humilharmos como Ele se humilhou, se renunciarmos nossas próprias satisfações para segui-Lo, carregando nossas pequenas cruzes, e se entregarmos de bom grado nossa vida, como Ele doou a sua pelo próximo que Ele tanto ama e quer que o amemos como a nós mesmos" (SV III,629)
Nosso mundo agitado e a miséria das crianças Restavek e de Kumasi, podem as vezes, nos parecer esmagadores. Contudo, nossa fé em Jesus e o carisma vicentino renovam a força e a confiança para enfrentar o futuro com esperança. Por intercessão de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, peço para que esta quaresma seja um tempo onde a graça e a bondade de Deus sejam manifestadas, com toda a plenitude em nossa vida e na de todas as pessoas que servimos.
Seu irmão em S. Vicente,
Pe. Gregory Gay, CM
Superior Geral
Nenhum comentário:
Postar um comentário