ROMA, 18 de julho de 2014
Queridos membros da Família Vicentina,
Em vista da festa de São Vicente de Paulo, em nome da Família Vicentina e dos responsáveis de nossos diferentes ramos, escrevo-lhes para informar que decidimos dedicar o próximo ano à «nova evangelização». Nós o faremos como Família Vicentina, centrando nossa atenção sobre três pontos chaves de fidelidade no seguimento de Jesus Cristo, evangelizador e servidor dos pobres:
• A necessidade de uma conversão pessoal e comunitária,
• A necessidade de ir além de nós mesmos escutando o grito dos pobres, sobretudo, daqueles que vivem na periferia de nossas cidades e à margem da sociedade atual,
• A necessidade de evangelizar e de oferecer novas formas de praticar a pastoral da família.
De 5 a 19 de outubro de 2014, o Papa Francisco realizará um Sínodo de Bispos para
estudar «Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização». É um tema importante proposto pelo nosso Santo Padre para o bem da Igreja, segundo mostrará este Sínodo.
No início de seu pontificado, o Papa São João Pulo II lançou o apelo a uma «nova evangelização» para incentivar um novo fervor e meios inovadores para encontrar Jesus, aprofundar nossa relação com Cristo e crescer na vida de fé. Este apelo de João Paulo II, veio em um momento de mal-estar geral entre os cristãos, especialmente nos países do mundo desenvolvido. João Paulo II acreditava que os cristãos estavam se tornando menos fervorosos em sua prática de fé, de modo que ele chamou à conversão e a uma nova evangelização. Estas dinâmicas em favor de uma revitalização foram retomadas e incentivadas por seus dois sucessores, o Papa emérito Bento XVI e o Papa Francisco.
Redescobrir e encontrar novamente Jesus com amor em nossos corações, aprofundando nosso relacionamento com Ele para crescer em nosso ser de discípulos é um aspecto essencial desta nova iniciativa. Trata-se de um aprofundamento pessoal da nossa fé no Deus de Jesus Cristo, um fruto do Espírito Santo. Este amor nos guia no caminho da devoção a Deus e da dedicação aos outros, especialmente os pobres. Como cristãos verdadeiramente comprometidos e como discípulos de Jesus, compartilhamos a Boa Nova do amor de Deus que se encontra nas Sagradas Escrituras e nos Sacramentos. A tarefa de todo fiel católico batizado é de tornar Jesus conhecido a todos.
Para fazer isso, a Igreja nos convida à conversão, a uma nova maneira de encontrar Deus e de crer Nele, de compartilhar a Boa Nova com os outros. Para viver esta experiência de conversão e seguir um novo caminho para encontrar Deus, devemos deixar nosso próprio conforto e escutar o Senhor quando Ele nos fala nas profundezas de nosso coração. Na condição de membros da Família Vicentina, como podemos responder a este apelo à conversão e à nova evangelização? O carisma que São Vicente de Paulo compartilhou com Santa Luísa de Marillac e que continuou com o Bem-aventurado Frederico Ozanam e com muitos outros na tradição vicentina, consistia no cuidado dos pobres e desprovidos. Mas
este incluía também o «cuidado das almas», como sendo uma parte essencial da missão.
Na vocação vicentina, missão e caridade são inseparáveis. As obras de misericórdia corporais e espirituais e o serviço andam sempre de mãos dadas. Estas instruções dirigidas às Filhas da Caridade no seu serviço dos pobres nos falam: a «principal preocupação fazê-los conhecer Deus, anunciar-lhes o Evangelho e tornar presente o Reino» (Constituições das Filhas da Caridade, 10a). O Bem-aventurado Frederico Ozanam enfatizava que a ajuda material não era o único aspecto do serviço dos pobres da Sociedade. Ao contrário lembrava aos confrades que sua espiritualidade e seu testemunho cristão, cheio da ternura do amor de Deus, ajudavam muitos cristãos a voltar à fé como também a evangelização de muitos não cristãos. É uma virtude essencial de nossa espiritualidade vicentina: desenvolver e aprofundar a nossa relação com Jesus e ajudar outros a encontrar o Cristo. É a fé em atos.
São muitos os desafios que nos esperam na vida cotidiana. Mas é agora o momento favorável para anunciar a Boa Nova da salvação em Jesus Cristo. Embora vivamos em um ambiente muitas vezes indiferente à religião, as pessoas ainda têm real sede de valores mais elevados. Há uma fome de Deus no meio do povo de Deus, especialmente quando se aspira a um novo modo de viver que difere das normas vigentes da sociedade. Somos tentados a adotar a maneira como as pessoas vivem este ambiente de indiferença religiosa e nos acostumar a aceitar a pouca importância que as pessoas atribuem às questões essenciais da fé e do sentido da vida neste mundo.
Porém, estamos conscientes da realidade do que acontece quando as pessoas se esquecem de Deus? Isso indica muitas vezes uma verdadeira pobreza espiritual e material. São Vicente foi profundamente afetado pela situação na qual se encontravam as pessoas de seu tempo: aqueles que viviam na miséria e na ignorância e que não sabiam nada sobre Deus nem sobre Seu amor. É por esta razão que Vicente disse com vigor e convicção: «Uma coisa é certa, fui enviado não somente para amar a Deus, mas fazê-lo amado. Não me basta amar a Deus, se meu próximo não o ama». (SV, conferência de 30 de maio de 1659, Coste XII, pag.262).
Se não tivéssemos sequer um pouco deste amor, desviaríamos nossos olhos e cruzaríamos os braços? Nunca! A caridade não pode ser ociosa. A caridade nos impele a fazer o nosso melhor para levar o conforto e a salvação àqueles que sofrem. Nossa vocação de vicentinos consiste em inflamar o coração dos outros: fazer o que o próprio Filho de Deus fez. Ele veio trazer fogo ao mundo, inflamá-lo com seu amor. O que devemos esperar para nós mesmos, senão nos inflamar de amor por Cristo e ser consumidos por esse amor?
Como membros da Família Vicentina, somos chamados a ser agentes da evangelização oferecendo um serviço pleno de amor. A caridade é o principal valor da vida, e, o desafio à comunidade cristã é de torná la ativa no mundo de hoje. Nunca devemos separar nem contrapor a relação intrínseca entre fé e caridade. Somos discípulos de Jesus quando propagamos o amor de Deus e quando nós nos comprometemos a participar plenamente na vida e na missão da Igreja. Fomos conquistados pelo amor de Cristo! Por conseguinte, sob o poder desse amor, estamos totalmente abertos a amar concretamente o nosso próximo. Aqui podemos nos lembrar da divisa das Filhas da Caridade, cujas palavras são tiradas da Escritura: «O amor de Cristo crucificado nos impele» (cf. 2 Cor 5, 14).
A fé nos permite reconhecer os dons que nosso Deus, em sua bondade e generosidade nos confiou. A caridade os torna fecundos. Pela fé, entramos em amizade com o Senhor.
Pela virtude da caridade, esta amizade é cultivada e colocada em obras. A relação entre fé e caridade é exaltada neste vínculo íntimo entre elas. Eis o que significa tornar efetivo o Evangelho na vida das pessoas. A encíclica Lumen Fidei fala sobre as repercussões da fé no mundo nos dizendo que: « a luz da fé coloca-se ao serviço concreto da justiça, do direito e da paz » (LF, 2013, 51). A exortação apostólica Evangelii Gaudium fala do serviço da caridade como um elemento constitutivo da missão da Igreja, que reflete a essência do que somos como Igreja.
Como a Igreja é missionária por natureza, ela está indelevelmente ligada à virtude da caridade, particularmente prodigalizando uma caridade efetiva ao nosso próximo. Quando aceitamos o desafio da missão impregnada da caridade de Cristo, podemos nos identificar às pessoas que vivem na pobreza e serví-las. Nossos corações vicentinos aceitam com alegria o apelo da Evangelii Gaudium, a sermos instrumentos de Deus na libertação e promoção dos pobres, permitindo-lhes alcançar sua promoção integral na sociedade (EG, 2013, 182).
Devemos ser dóceis e atentos à escuta do clamor dos pobres e prontos a correr em seu socorro. Fazemos isso, deixando nosso próprio conforto e indo à periferia e às margens encontrar as pessoas que vivem na pobreza.
Saiamos de nós mesmos para ir ao encontro dos pobres, apressadamente, inflamados do amor de Deus. No quarto capítulo de Evangelii Gaudium, encontramos numerosas ideias que estão de acordo com o nosso carisma. As palavras deste capítulo parecem descrever a vida e as ações de São Vicente e de Santa Luísa, de todos os outros santos e bem-aventurados. Eis aí um exemplo do que nos diz o capítulo quatro: os pobres são os preferidos de Deus; os pobres ocupam um lugar privilegiado na Igreja; e os pobres são nossos evangelizadores. Se essas ideias que provêm de Evangelii Gaudium nos parecem familiares, não há nisso nada de extraordinário!
A nova evangelização é uma iniciativa para nos ajudar a reconhecer a força salvífica que as pessoas que vivem na pobreza têm no Cristo e a colocá-los no centro da Igreja.
Descobrimos o Cristo nos pobres; defendemos suas causas; somos os seus servos; ouvimolos; e eles nos chamam a refletir sobre a sabedoria misteriosa de Deus, que muitas vezes se revela a nós através de sua própria vida.
No contexto dos sofrimentos e das lutas que as famílias suportam hoje, a nova evangelização pode responder a uma necessidade urgente, como o mostra o documento preparatório sobre a pastoral familiar publicado em vista da terceira assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos. A doutrina da Igreja sobre o casamento deve ser apresentada de forma eficaz e compreensível para chegar ao coração de muitos e transformar sua vida conforme a vontade de Deus manifestada em Jesus Cristo. Outros documentos da Igreja evocam as necessidades pastorais da família como uma dimensão essencial da evangelização. É um chamado a renovar nossa compreensão do sacramento do matrimônio e da vocação cristã dos casais e a fortalecer as famílias para o bem da Igreja e da sociedade. Como membros da Família Vicentina, deveríamos nos perguntar o que poderíamos fazer para evangelizar as famílias que servimos e aquelas com as quais estamos em contato.
Falo aqui das famílias que encontramos em nossas paróquias, escolas, serviços sociais, e em muitos outros serviços onde colaboramos, como Família Vicentina, para servir as pessoas que vivem na pobreza. A família constitui sem nenhuma dúvida um campo imenso para a missão. Numerosas famílias que atendemos hoje precisam de proteção e sofrem muitas turbulências. São frequentemente ameaçadas, às vezes até de morte. Como Família Vicentina, podemos e devemos progredir para estabelecer «Linhas de ação» que
deem impulso ao trabalho pastoral com as famílias, especialmente com aquelas que vivem na pobreza.
Com toda a Família Vicentina, rezemos para que a Igreja busque verdadeiramente adotar práticas pastorais que ajudem as famílias a enfrentar suas atuais realidades à luz da fé e com a força que vem do evangelho. Ao celebrarmos a festa de São Vicente de Paulo, devemos dedicar-nos este ano à nova evangelização. Procuremos respostas criativas para enfrentar os desafios apresentados pela nova evangelização, bem como uma conversão pessoal e comunitária para atender às necessidades pastorais da família, sobretudo das
pessoas que vivem na periferia de nossa sociedade.
Vosso irmão em São Vicente
G. Gregory Gay, CM
Superior Geral
Nenhum comentário:
Postar um comentário