“Não tenha medo, cotinue a falar e não se cale,
pois eu estou contigo“ (At 18,9)
“Cristo aponta para a Amazônia“ lembrava o Papa Paulo VI aos bispos da
Amazônia por ocasião de seu encontro em Santarém, de 24 a 30 de maio de 1972,
marco indelével na história da Igreja desta grande região brasileira, habitada por povos de culturas e tradições tão
diferenciadas do outro Brasil.
Expressamos nossa gratidão ao
Deus da vida porque nestes 40 anos, não obstante nossas fragilidades, nossa
Igreja tem anunciado Jesus Cristo ressuscitado, caminho, verdade e vida e tem
marcado presença junto ao povo sofrido, sendo muitas vezes a voz dos povos
indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e migrantes, nas periferias e
em novos ambientes do centros urbanos animando as comunidades na reivindicação
do respeito pela sua história e religiosidade. É também a vida destes povos,
seu modo de viver, sua simplicidade, seu protagonismo, sua fé que nos encantam!
Não faltou o testemunho de entrega da própria vida até o derramamento de sangue. Este
testemunho nos anima, nos encoraja e nos fortalece. São também protagonistas
religiosos e religiosas, pastorais, movimentos e serviços que tem sido uma
força viva e atuante na realidade das nossas comunidades.
Constatamos avanços no campo
social e político, com novos organismos de participação, conselhos de políticas
públicas, participação nas campanhas por leis mais justas, aumento da consciência
e engajamento na questão ecológica. No campo econômico, cresce o consumo e o
poder aquisitvo embora nem sempre acompanhado do aumento da qualidade de vida.
A vida na Amazônia continua sofrida.Há séculos os povos da Amazônia gemem e
choram sob o peso de um modelo de desenvolvimento que os oprime e exclui do
“banquete da vida, para o qual todos os homens e mulheres são igualmente
convidados por Deus“ (SRS 39). A Igreja ouve os gritos, às vezes desesperados,
e se identifica com o seu clamor, conhece o seu sofrimento. Mais ainda, a
Igreja declara que “as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos
homens e mulheres, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são
também as alegrias e as esperanças, as tristezas e angustias dos discípulos de
Cristo“ (cf. GS 1).
As decisões sobre o
desenvolvimento da Amazônia sempre são tomadas a partir de fora e visam unica e
exclusivamente a exploração das riquezas naturais sem levar em conta as legítimas aspirações
dos povos desta região a uma verdadeira justiça social. Quando Paulo VI
declarava que “o desenvolvimento é o novo nome da paz“ (PP 87), não pensava num
“crescimentismo“ meramente econômico, unilateral e excludente, mas convidava a
todos os povos da terra a empenhar-se por um mundo justo, fraterno e solidário,
na perspectiva do Reino que Jesus veio a anunciar “para que todos tenham vida“
(Jo 10,10).
Como quarenta anos atrás, a
Amazônia continua sendo considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da
metade do território nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul
do País – Amazônia é apenas “província“, primeiro província madeireira e
mineradora, depois a última fronteira agrícola no intuito de expandir o
agronegócio até os confins deste delicado e complexo ecossistema, único em todo
o planeta. De uns anos para cá a “província“ recebeu mais um rótulo, sem dúvida
o mais desastroso, pois implicará a sua destruição programada, haja visto o número
de hidrelétricas projetadas para os próximos anos: a Amazônia é declarada a
província “energética“ do País. Sob a alegação de gerar energia limpa se
esconde a verdade de que mais florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive
urbanas, serão inundadas, milhares de famílias serão expulsas de suas terras
ancestrais, mais aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos
artificiais, podres e mortos, produzirão gases letais e se
tornarão viveiro propício para todo tipo de pragas e geradores de doenças endêmicas.
A história da Amazônia revela que
foi sempre uma minoria que lucrava às custas da pobreza da maioria e da
depredação inescrupulosa das riquezas naturais da região, dádiva divina para os
povos que aqui vivem há milênios e os migrantes que chegaram ao longo dos
séculos passados.
Santarém 1972:
Encarnação na Realidade e Evangelização Libertadora
Como já em 1972, os bispos
reunidos em Santarém de 2 a 6 de julho de 2012 não detectam apenas os
mecanismos perniciosos responsáveis pela miséria dos povos e a devastação das
florestas, mas os denunciam como responsáveis de gerar “ricos cada vez mais
ricos às custas e pobres cada vez mais pobres“ (João Paulo II, Discurso
inaugural de Puebla, 28 de janeiro de 1979) e de um meio-ambiente cada vez mais
deteriorado. O “lar“ (em grego “oikos“ – daí a palavra “ecologia“) que
Deus criou para todos nós não pode ser explorado até a exaustão, mas exige
cuidado, zelo, amor, também em vista das futuras gerações. Os cientistas
alertam sempre mais que a devastação da Amazônia terá conseqüências
irreversíveis para o clima do planeta e se torna assim uma ameaça à vida e
sobrevivência de toda a humanidade.
Em 1972 os bispos da Amazônia já
identificaram graves feridas neste mundo de selvas e águas que atingiram
violentamente os povos originários e tradicionais da região. Como 40 anos
atrás, também hoje os bispos se entendem como mensageiros dos povos da
Amazônia, profetas que vivem numa grande proximidade com Deus e ao mesmo tempo
sintonizados com os acontecimentos históricos, homens de fé que „vêm da grande
tribulação“ (Ap 7,14). Nestes nossos tempos, as feridas se tornaram chagas
abertas que perpassam e sangram a Amazônia de fora a fora, causando cada dia
mais vítimas fatais.
As prioridades da ação pastoral e evangelizadora apontadas em 1972 continuam atualíssimas. Até hoje uma formação adequada à essa região para ministros ordenados, mas também para leigas e leigos que dirigem as comunidades, é fundamental. Importa encarnar a Igreja no chão concreto da Amazônia. Quem exerce um ministério, ordenado ou não, participa do pastoreio de Jesus e está a serviço de seus irmãos e irmãs e quer exercê-lo na simplicidade do lava-pés e numa proximidade fraterna ao Povo de Deus.
As prioridades da ação pastoral e evangelizadora apontadas em 1972 continuam atualíssimas. Até hoje uma formação adequada à essa região para ministros ordenados, mas também para leigas e leigos que dirigem as comunidades, é fundamental. Importa encarnar a Igreja no chão concreto da Amazônia. Quem exerce um ministério, ordenado ou não, participa do pastoreio de Jesus e está a serviço de seus irmãos e irmãs e quer exercê-lo na simplicidade do lava-pés e numa proximidade fraterna ao Povo de Deus.
As Comunidades Cristãs ou
Eclesiais de Base tão recomendadas no Documento Santarém 1972 são expressão de
uma Igreja viva e comprometida. Como os bispos já afirmaram em Manaus (2007),
elas constituem um dom especial que Deus concedeu à Igreja na Amazônia. São
obra do Espírito Santo. O que o Documento de Aparecida afirma, aplica-se de
modo especial à Amazônia. As CEBs, diz o documento, “têm sido escolas que têm
ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos e missionários
do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de
muitos de seus membros” (DAp 178). As CEB’s são também uma resposta válida e
empolgante para o mundo urbano como resposta ao individualismo e a
superficialidade do consumismo. Nas CEBs se vive a dimensão samaritana da
compaixão ativa e interajuda, de um coração e mãos abertas para quem sofre ou
passa necessidade, mas também a dimensão profética de anunciar continuamente a
utopia do Reino e, ao mesmo tempo, denunciar todos os mecanismos e estruturas
que impedem a chegada do Reino. É exatamente esta dimensão profética que gerou
as e os mártires da Amazônia. As CEBs constituem-se em família das famílias
onde todos se conhecem e querem bem, mas são também centros de oração e
meditação da Palavra de Deus para nutrir a mística profunda da vivência na
proximidade de Deus. Ele mesmo se revelou como um Deus-conosco e assegurou aos
profetas, apóstolos, discípulas e discípulos: “Eu estarei contigo“ (cf. Ex
3,14; Js 1,9; Jr 1,19; At 18,9-10). Afinal “se Deus está conosco, quem será
contra nós“ (Rom 8,31).
Santarém 1972 assume a questão indígena
como causa de toda a Igreja na Amazônia. Lembra que no mesmo ano por iniciativa
dos bispos, mormente dos da Amazônia, foi fundado o Conselho Indigenista
Missionário – Cimi.Os bispos talvez não imaginavam quarenta anos atrás o imenso
apoio que sua decisão significava aos direitos e à sobrevivência de dezenas de
povos indígenas na região amazônica que, sem o empenho intransigente da Igreja,
teriam desaparecido. A presença solidária e o apoio incondicional à luta por
seus direitos foi fundamental para que hoje a maioria dos povos indígenas da
região tenha suas terras demarcadas. Foi também de enorme importância gerar uma
consciência de respeito e valorização dos povos, suas culturas e seus projetos
de “Bem Viver“. Dezenas de povos saíram do silêncio em que foram forçados a se
ocultar para sobreviver. Ressurgiram das cinzas e estão lutando pelos seus
direitos e suas terras. Alem disso a atuação corajosa dos missionários, selando
seu compromisso através do sangue derramado pela vida desses povos, propiciou o
surgimento de articulações e organizações dos povos indígenas, essenciais para
a conquista de seus direitos e sua autonomia.Os riscos de extermínio de vários
grupos indígenas em estado de isolamento voluntário, exige um renovado
compromisso com a sobrevivência de milhares de vidas e povos ameaçados de
extinção.
Na perseverança
salvareis vossas vidas (Lc 21,19)
Deparamo-nos hoje com uma
verdadeira enxurrada de grandes projetos que os Governos querem implantar,
seguindo a estratégia do “fato consumado“. Não há discussão, nem consulta
popular que merecesse este nome. Decide-se e executa-se. Oponentes são criminalizados
ou taxados de inimigos do progresso. Também os ribeirinhos, seringueiros,
quilombolas, e outros povos tradicionais sofrem pela falta de reconhecimento de
suas terras.A ética na política prometida à nação e esperada pelo povo
brasileiro cedeu lugar a uma seqüência ininterrupta de escândalos de corrupção
em todos os níveis governamentais. Somado a estes desafios nos deparamos
com a emergência do fenômeno urbano, com o inchaço nas periferias das grandes
cidade, exploração sexual, tráfico de pessoas e de drogas, violência. Em vez de
investimentos em políticas públicas de saneamento básico, saúde, educação e
segurança, o Estado prioriza políticas compensatórias, apoia e incentiva o
grande capital, investe na construção de estádios monumentais e outras obras
faraônicas.“Podem roubar-nos tudo, menos a esperança” (D. Pedro Casaldáliga).
No caminho de “Santarém”,
novamente nos lançamos nas estradas e rios, nas aldeias e quilombos, nos
interiores e periferias das cidades, nos grandes centros urbanos desta imensa Amazônia,
abraçando a Missão que nos foi confiada, comprometidos com toda a criação e na
busca de sermos autênticas comunidades de fé alimentadas pela Palavra e pela
Eucaristia. Nesta hora da história o nosso coração às vezes, se angustia por
causa de tantas dificuldades que nos desafiam, aparentemente insuperáveis; no
entanto, continuamos a ser chamados e enviados como missionários e profetas
para alimentar a esperança, como âncora firme e segura (cf Hb 6,19), de um
mundo novo, inaugurado por Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado..
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